top of page

A psicodelia de Jedias Hertz

Foto do escritor: Michele Costa Michele Costa

A psicodelia de Jedias Hertz não ficou apenas na música, atravessou a tela do computador em que nos separava: em meu ambiente, Pina, minha cachorra, começa a latir e pular, os gatos da vizinha do primeiro andar começam uma briga que parece que não terá fim, um festival de cachorros inicia na rua, os vizinhos começam a discutir e as crianças gritam. Até parece que não tem uma pandemia mundial. Peço desculpas pelo barulho e o músico releva. Pina tenta invadir o espaço, mais uma vez, brigo com ela e Jedias ri, depois diz: "relaxa, eu não me importo. Eu também tenho cachorro, ele late muito". Iniciamos a conversa, no meio do caos.


Jedias lembra um pouco Belchior com George Harrison e a essência de Woodstock e também de José Mojica, o saudoso Zé do Caixão. O músico que acaba de lançar "Maverick Voador" (2021), seu primeiro álbum que mistura diversos gêneros musicais, como folk, blue, jazz e MPB, tem o objetivo de resgatar memórias positivas nos ouvintes e realçar sentimentos e emoções que estavam guardados a sete chaves. Para quem sente falta dos anos 80 e/ou 90, o álbum resgata a energia daqueles tempos. Nostalgia.


A trajetória do artista começou no desenho, depois para poesia e, quando percebeu que era possível musicar o que escrevia, montou uma banda com os amigos. "Na adolescência, eu descobri a poesia e fiquei apaixonado. Quando eu era adolescente, uns amigos meus falaram: "ah, eu acho legal se a gente montasse uma banda" - eu nunca tinha pensado em banda e nada do tipo. A primeira coisa que eu pensei na época, que eu me lembro, foi: "eu posso pegar as poesias que eu escrevo e transformar em música". Aí eu topei entrar na banda, só que ninguém sabia tocar. Acabamos formando uma banda: eu, Fernando, um amigo meu, e o Zé - os três queriam ser guitarristas [risos]", ele me explica. Após o fim da banda, junto com a adolescência, ele optou continuar, mas em carreira solo. Começa o início de Jedias Hertz com a psicodelia.


Leia também:


Você começa a tocar sozinho, depois do fim da banda. Como foi essa formação?

Foi um passo difícil, porque… Pra falar a verdade, os poucos lugares que eu tinha tocado como banda eram lugares com mais gente que eu conhecia. Aí, [no solo] eu comecei a tocar em lugares com pessoas que eu não conhecia e essa parte foi meio difícil, né. Eu podia fazer as coisas que eu queria, mas ao mesmo tempo em que eu não tinha acompanhamento de uma banda, você se sente mais exposto, isso era um pouco complicado, mas eu gostava. Eu sempre senti, desde que descobri a música, que nasci para fazer isso, é essa a sensação. Eu me sinto muito realizado quando eu tô fazendo isso. Esse período [do solo], acho que foi o período que eu mais me senti realizado de estar fazendo isso, porque eu sentia que eu tava chegando em algum lugar.


Como surgiu a psicodelia para você? Por que fazer um álbum com esse gênero musical?

Deixa eu pensar [breve silêncio]. Acho que é muito mais sentimento, tem que tentar pensar em como explicar [risos].

Às vezes é complexo, né?

Às vezes é, principalmente quando se trata de arte, de coisas que vem de dentro - é mais complicado você explicar… Por exemplo: "por que você fez esse trabalho acadêmico? Por conta desse motivo, tiramos provas disso e daquilo, a pesquisa é baseada naquilo…" é mais fácil, agora falar de arte é mais difícil, você tem que falar de emoções que não são iguais. Eu comecei a me interessar, primeiro, pelo blues. Eu não sei [explicar], foi um negócio que me pegou ainda na adolescência. Eu gostava daquele som e queria saber de onde veio e eu sempre gostei muito de história, acho que isso influenciou muito. Eu queria saber porquê essa sonoridade tinha e de onde veio e descobri coisas mais retrôs, dos anos quarenta… Aí eu comecei a fazer o efeito oposto, eu fui muito nesse negócio "raiz" de gostar muito e eu fui ver onde ia esse lugar. Eu tinha vindo das coisas mais modernas e fui indo para coisas que tinham em outra época.


O seu primeiro álbum é uma homenagem ao rock, psicodelia e a antropofagia, assim como seus heróis na música. Como foi esse processo?

Parte das coisas são influências naturais. Eu percebi depois que lancei o álbum, com pessoas vindo me perguntar ou falar "ah, essa música me parece tal coisa" e como são músicas que eu escrevi há bastante tempo eu me toquei que na época que eu escrevi essa música, eu escutava muito… Me falaram isso sobre “Sonho / Pesadelo #37-48” - "ela lembra muito uma [corte na transmissão] do Pink Floyd" e eu lembrei que na época que escrevi ela, eu ouvia muito Pink Floyd e foi uma influência indireta mesmo. Eu não queria, necessariamente, fazer daquilo uma influência, mas naturalmente eu trouxe a sonoridade. Mas tem outras coisas que são intencionais, têm muita influência dos Rolling Stones, tem muita Tropicália, Mutantes, The Doors… O "Drink da Meia Noite" tem muita influência de The Doors - aí são coisas mais intencionais. Algumas coisas foram [feitas] durante o período da música - "ia ser legal colocar um órgão meio Doors aqui" e eu ia buscando a sonoridade que lembrava a banda, mas ao mesmo tempo não era The Doors e é original, queria que as pessoas sentissem essas influências, mas que não fossem uma cópia dessas influências.

Será que ao fazer isso, essa junção, você também não quer lembrar uma memória esquecida do ouvinte?

Com certeza! Eu meio que sinto isso também. Não só com as minhas próprias influências, mas também com as minhas próprias músicas, porque são músicas que escrevi há um bom tempo e elas são, pra mim, nostálgica. Eu sou uma pessoa muito nostálgica e eu sinto que essa nostalgia está muito presente nesse trabalho, de forma muito clara pra mim e as sonoridades me remetem a coisas que eu ouvia na adolescência e esses momentos que eu vivi na adolescência e espero que isso remeta a outras pessoas também.


Com mais de dez anos de bagagem trabalhando com música experimental e psicodélica, Hertz resgatou seu passado e canções feitas há dez anos atrás para dar forma ao "Maverick Voador". Há quase dois anos, ele passou a trabalhar com Marina Silva e, embora tenham perfis separados nas plataformas de streaming, os dois se apresentam como um duo prepararam, em conjunto, o EP especial "Feliz Natal e Um Ano Novo Melhor Que Esse", lançado no final de 2020.


Como foi revisitar essas canções que foram escritas há dez anos atrás?

Não foi muito difícil, porque elas eram canções antigas que eu tocava até hoje, não todas, mas com algumas exceções, eram músicas que eu continuava tocando.

E você mudou alguma letra quando começou a fazer o álbum?

Quase todas são iguais ao que eram, acho que dei uma mudada em uma palavra ou outra, porque acho que ia passar outra ideia… O nosso vocabulário também vai mudando. Eu sou muito encanado, não queria usar essa palavra, mas acho que ela é a palavra certa, com meu trabalho, minhas músicas e eu sou muito perfeccionista, então eu nunca tô satisfeito com o que eu faço e eu me importo muito com que eu tô querendo dizer e com passar a ideia que eu queria passar. Eu sinto que a música não precisa ser engessada, sabe? Ela não precisa ser de um jeito só, ela pode ir mudando com o tempo, sabe?


Como é o seu processo de criação? Ele continua o mesmo ou foi alterado durante o isolamento social?

Sim, meu processo de criação é meio caótico, não tem muita regra. Eu sou uma pessoa que tem a tendência de procrastinar e eu tenho tentado lutar contra isso. Geralmente, para música eu faço tudo junto: eu vou tocando e cantando, como ela vai vindo e escrevo normalmente. Na pandemia, o meu processo de criação mudou bastante, porque eu acho… No começo, eu tava fazendo mais coisas e de um tempo para cá, eu não tenho conseguido fazer mais nada, acho que é a sensação de estar fazendo a mesma coisa e isso vai atrapalhando o processo.


Como foi lançar um disco no meio desse furacão?

Foi... [pausa] Eu não sei explicar muito [nova pausa]. Quando começou a pandemia, eu já pensei tirar esse tempo para terminar esse trabalho que estava engatinhando, mas eu pensei em tirar o tempo para fazer isso. Então, foi meio que natural pra mim. Deu para focar melhor, eu conseguia fazer as coisas os arranjos e tal, gravava os instrumentos que precisava, montava o que era necessário e gravava. Como ele traz a psicodelia, é um trabalho que tem muita experimentação e deu para testar.



Com inspirações que variam bastante, do tropicalismo de Tom Zé ao folk de Bob Dylan, Jedias Hertz se constrói diariamente, mistura diversos ingredientes e compartilha, no final de sua própria receita, o que é e o que sente com o público. Esteja pronto para viajar na psicologia do músico.

Posts recentes

Ver tudo

Comments


©2020 por desalinho.

bottom of page