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  • Foto do escritorMichele Costa

Impressões: Elke: Mulher Maravilha

Quando eu era criança, duas personalidades da mídia me davam medo: Elke Maravilha e Zé do Caixão. Quando aprontava ou respondia (fazendo o papel de criança rebelde), os adultos me repreendiam com uma fala que me dava arrepios: "Se não obedecer, vou chamar Elke e Zé do Caixão para aplicar um castigo em você". Em consequência do medo, obedecia, pedia desculpas e ficava em silêncio o restante do dia.


Ainda na infância, existiam algumas teorias que rodeavam os dois: Elke era uma drag queen que fazia festas animalescas e selvagens. Enquanto o homem de unhas longas, invadia cemitérios para beber sangue dos mortos, em busca da imortalidade. Mentiras que me acompanharam por anos.


Já na faculdade, enquanto pesquisava sobre a ditadura civil-militar, me esbarrei em um acontecimento que Elke viveu: ao ver um cartaz de Stuart Angel colado na parede, a modelo o retirou e rasgou em pedaços. Como consequência do ato, ficou seis dias presa e perdeu a cidadania brasileira.


"(...) Uma das companheiras de cela estava cadavérica, magra e pálida. Assim que a porta da cela se fechou, Elke perguntou a ela o que tinha acontecido: "Eu fiz tratamento dez anos para engravidar. Daí pedi pra não baterem na minha barriga, porque eu estava grávida, e eles bateram. Eu abortei", respondeu a mulher. Elke a abraçou e segurou para não chorar. "Não era hora de demonstrar sentimento, era hora de eu ser louca, não deixar eles me afetarem", ela explicava."

Como uma mulher que me dava medo na infância, pode fazer um ato tão corajoso durante os anos de chumbo? Quem foi Elke Maravilha?


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A biografia "Elke: Mulher Maravilha" (Todavia, 2021), escrita pelo jornalista Chico Felitti, conta a história da queridinha do Brasil. Em 2006, quando cursava o penúltimo ano da faculdade de jornalismo, Felitti resolveu pesquisar e escrever uma biografia completa da artista que foi contra o conservadorismo. Durante os encontros que eram sempre realizados em padarias e botecos do centro de São Paulo, Elke relembrou sua infância, sua chegada ao Brasil e os anos de jurada de programas de TV. No decorrer do caminho, um ponto interessante surge: a artista contava mentiras de sua própria vida - inventava histórias, pois gostaria de ter vivido o que contava.


"(...) Todas as respostas estão corretas. E muitas outras também estariam. Elke se chamou Elke Grünupp, Melissa Vassiliki, Elke Evremidis e apenas Elke antes de ser conhecida como Elke Maravilha. Foi professora de francês aos catorze anos de idade. Foi miss Glamour Girl. Foi a modelo mais requisitada do país. Foi presa política por seis dias. Foi personalidade televisiva. Foi atriz principal e foi coadjuvante. Foi cantora. Foi poeta. Foi mulher de oito. Foi madrinha de ao menos 8 mil. Foi apátrida. Foi alcoólatra. Foi funcionário de Silvio Santos. Foi uma das maiores antagonistas de Silvio Santos. Foi astróloga amadora. Foi empresária e faliu. Foi secretária trilíngue. Foi rica e foi pobre. Foi uma pessoa trágica, mais que dramática. Foi uma das primeiras mulheres a afirmar em rede nacional de televisão que havia feito um aborto. Depois dois. Depois três. Foi uma pessoa que escolheu viver sob o signo da alegria. Foi uma ermitã nos últimos momentos. Elke Maravilha foi uma das pessoas mais famosas do Brasil."

Nascida em Leutkirch, na Alemanha, no dia 22 de fevereiro de 1945, a bebê de cabelos louros recebeu o nome de Elke Georgievna Grünupp. Seu nome do meio significa "filha de George" em russo - homenagem ao pai George Grünupp que tinha passado três anos preso num campo de concentração na Sibéria, acusado de ser traidor da pátria russa. Ao contar sobre os pais para o jornalista, Elke relembrou: "Eu sou filha do comunismo e do nazismo. Minha mãe viveu sob a égide de Hitler e meu pai, sob a égide de Stálin. Duas bostas".


A primeira vez que a filha de Liezelotte von Sonden mostrou seu lado artístico, foi para ajudar o pai a fugir da prisão francesa. Elke tinha três anos de idade: "Liezelotte escondeu uma arma dentro da roupinha da criança quando foi visitar o marido. A mãe foi revisitada. Conta a lenda familiar que foi a primeira atuação de Elke: quando o agente estava prestes a encostar na menina, ela estendeu os braços e beijou o rosto do guarda. Enternecido, ele não revisitou a criança que entrou com o revólver. (...) Armado, o pai conseguiu fugir, com a mulher e a filha". Em 17 de abril de 1949, a família oficializou sua chegada ao Brasil.


No decorrer de sua vida, Elke vagou por diversas áreas da vida, antes de seguir a carreira artística: estudou medicina (não finalizou o curso), letras e filosofia (abandonando por conta da ditadura). Em 1962, participou do concurso Glamour Girls, ganhando o concurso que elegeu a jovem mais glamurosa de Minas Gerais. No ano seguinte, foi convidada para participar do filme "Bossa Nova" de Louis Serrano, nunca lançado, e foi capa da revista Manchete. Em 1972, estreou no programa "Buzina do Chacrinha" na Rede Globo. Assim, começou sua carreira.


(Foto: Reprodução)


Ficou conhecida como uma jurada que não julgava, ou seja, se recusava a dar nota baixa e/ou humilhar os candidatos que iam aos programas. Sofreu quando Chacrinha, seu Paizinho, faleceu. Participou de filmes, novelas e programas. Tinha uma amizade inabalável com Zezé Motta. Pediu emprego a Silvio Santos e Boni, os poderosos da televisão. Fez shows pelo Brasil, teve um programa solo, mostrando que estava à frente do seu tempo: debateu sobre homossexualidade, racismo e machismo. Amou e foi amada. Mexeu com poderosos, perdendo o espaço que conquistou.


Entre altos e baixos, amores e perdas, Elke viveu intensamente e não mudou pelos outros. Mesmo com as dificuldades, continuou sorrindo, soltando sua gargalhada. Foi tarde demais para perceber que ela estava tendo problemas com álcool, além das dores intensas que sentia pelo corpo. Na madrugada de 16 de agosto de 2016, Elke Maravilha resolveu "ir brincar de outra coisa", expressão que usava para a morte, em outro lugar - morreu aos 71 anos.


Percebo agora que a mulher que antes tinha medo, foi uma mulher necessária para esse Brasil tão careta. Elke se foi, mas continua Maravilhosa - com M maiúsculo.

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