O corpo humano é formado por músculos, órgãos, ossos, pele e nervos. Sentimentos são adquiridos ao nascer, ou seja, desde bebê, um indivíduo se expressa. Durante o crescimento, a persona se conhece e, a partir disso, descobre o mundo, adicionando outras características. Nayra Lays, por exemplo, possui sua estrutura, mas é com o samba que ela se apresenta ao mundo. Ao entoar seus sentimentos no samba, Nayra não está apenas contando sua história; ela dá continuidade ao gênero musical que está em suas veias: os músicos de sua família, que fundaram juntos nos anos 1990 o grupo "Pequeninos do Samba", amigos de bairro, vizinhos e sambistas do Grajaú - SP, são partes fundamentais e constituintes do seu amadurecimento artístico. Produzido por Levi Keniata, Feita de Samba , álbum de estreia de Nayra, conta com 12 faixas autorais que abordam o amor próprio, o autoconhecimento, a paixão e a transformação. "O meu grande objetivo com esse projeto era reivindicar e exercer o meu direito à humanidade ao explorar e cantar sobre assuntos que permeiam o que é ser humano em toda nossa complexidade, da forma mais sincera e profunda possível", explica. "No fim, é isso o que Feita de Samba significa pra mim: poder ser e viver na minha pele livremente e inspirar quem ouve a fazer o mesmo", conclui. Leia também: Lili Araújo celebra a vida com samba e jazz O novo capítulo de Natania Borges As baladas da luta DA CRUZ Como diz o título do álbum, você é feita de samba. O que mais te compõe? Em um dos singles que lancei há anos atrás, eu canto que eu "sou filha de muitos ventres, sample de muitas melodias", e isso sempre fez sentido pra mim, que de certa forma fui criada por muitas pessoas além da minha mãe, como por exemplo minhas avós, minha madrinha, tias, primas, amigas da minha mãe…tudo isso fez que com que eu tivesse contatos diversos e profundos com coisas que me compõem hoje: espiritualidade, uma percepção aguçada de mim e do mundo, afeto e, principalmente, uma necessidade de viver com propósito e presença. Além da música, tudo isso compõe quem sou. Você aborda o amor próprio e o autoconhecimento em suas canções. Como foi escrevê-las e, agora, canta-las? Meu processo de composição quase sempre é lento, acredito que muito pela paixão que tenho pelas palavras, pela escolha cuidadosa que tento fazer pra colocar algo que faça sentido primeiramente pra mim no mundo. Tudo é reflexo de muitos processos internos, então compor e cantar essas composições é me reconectar mas também ressignificar muitos desses processos. O seu objetivo é cantar os assuntos que permeiam o ser humano. Essa curiosidade sempre existiu? Eu sempre me considerei uma pessoa curiosa pelo meu mundo interno, desde criança gostava de passar horas sozinha, de inventar mundos escrevendo, de ler pra descobrir outros, enfim…com o tempo, essa tendência a observação foi canalizada na arte de um jeito muito especial, muito também pela minha proximidade com outras formas de cultuar espiritualidade além do cristianismo, então sim, acho que sempre me interessei por entender aspectos mais subjetivos do que significa ser humana e viver aqui nessa terra. "Etéreo" começa com uma pergunta: "E você, Nayra, sente que está no lugar certo?". Você já sabe qual é o seu lugar? O que virá depois? Que pergunta ótima! Acredito que todas as pessoas se questionam de tempos em tempos sobre seus lugares no mundo, né? Pra mim, essa é uma resposta que está sempre em aberto, mas meu grande termômetro é me perguntar o quanto estou me sentindo viva fazendo o que faço ou vivendo determinada fase. Nesse momento me sinto muito viva e atenta aos meus sonhos, potências e fragilidades, mas sei que meu lugar é ainda mais longe. A partir daqui, quero continuar me expressando com autenticidade e levando Feita de Samba até muitos ouvidos e corações, então que fique registrado que eu ainda vou me apresentar no mundo todo, e esse será meu lugar [risos] . "Casulo" reflete os fins e recomeços de um término amoroso. É necessário passar por todas as fases para o renascimento? Percebo que cada pessoa tem um jeito de lidar com lutos e renascimentos, em suas muitas facetas. O luto pelo término de uma relação amorosa, pra mim, costuma ser devastador, mas a idade tem me mostrado que não preciso e não posso passar tanto tempo paralisada ou racionalizando demais tudo o que aconteceu. Hoje, entendo que renascer envolve também saber a hora de sair de um lugar melancólico da minha mente para agir em prol da minha recuperação, é algo que preciso escolher todos os dias. Diria que sim, todas as fases precisam ser vividas, mas não por um tempo tão longo a ponto de me esquecer que renascer demanda também esforço, pois significa quase sempre escolher confiar de novo no amor, em mim e na vida. Já em Feita de Samba , você canta: "Eu cheguei aqui e não deixei cair". Como você se sente ao chegar até aqui? Eu me sinto vitoriosa, mesmo! Passei por muitas perdas no último ano, por vezes pensei e penso em abrir mão da minha missão como artista, mas parir um álbum tão bonito e significativo como Feita de Samba me mostra que eu consegui vencer a mim mesma e isso, pra mim, é sucesso.