Qual o seu significado de céu? Algumas pessoas o imaginam como um santuário, seguindo as palavras na bíblia. Outras, acreditam que é modificado, isto é, ele se adequa aos desejos e conhecimentos de cada um. Para Nicolas Geraldi, o céu contém as montanhas no caminho entre o Rio de Janeiro e Minas Gerais, além da pulsão do Clube da Esquina que carrega dentro de si. Ao uni-los com a psicologia e a meditação, o cantor e compositor carioca apresenta uma sonoridade cheia de vida e com imagens belíssimas. Outro Lugar do Céu (Seloki Records), primeiro álbum de Nicolas, conta com onze faixas autorais que mistura o passado e o presente, manifestando-se como um espaço de revisitação desta sonoridade tão única e a cara do país atual, mas agora atribuindo-a a elementos de produção mais modernos e contemporâneos. As letras evocam o trajeto que Geraldi percorreu para ser quem é hoje - como canta em "Sem Chão Vá Na Fé": "Não chora o que foi / Segura o que tem / O rio desabou / A vida começou". Em Outro Lugar Do Céu começou com Nicolas Geraldi sozinho em seu estúdio caseiro, gravando vocais e violão. Ao perceber a necessidade de expandir o projeto e alcançar todo o potencial de suas músicas, ele convidou o amigo e produtor musical Guilherme Lírio para somar na produção. Para completar o disco, convocaram Alberto Continentino, Dora Morelenbaum, Marcelo Costa e Sergio Machado para concluir a paisagem deste céu. Leia também: Impressões: Elã A navegação de Chico Torres A versão definitiva de João Castellani Você veio de uma banda. Em que momento você percebeu que gostaria de seguir com a carreira solo? Eu comecei a compor de verdade enquanto estava na banda. No momento em que fui gostando das minhas composições e vendo que dava pra sair um álbum disso, comecei a pensar na possibilidade de fazer um disco solo. Até porque na banda eram 4 compositores, então eu não conseguiria utilizar todas as minhas composições ali. Quis seguir carreira solo para explorar mais de mim mesmo e me desafiar a fazer um disco meu, que comunicasse o que eu quero comunicar. Eu comecei a compor de verdade enquanto estava na banda. À medida que fui gostando das minhas composições e percebendo que tinha material suficiente para um álbum, comecei a considerar a possibilidade de fazer um disco solo. Na banda, éramos quatro compositores, e eu sentia que não conseguiria utilizar todas as minhas composições ali. Então, decidi seguir uma carreira solo para explorar mais de mim mesmo e me desafiar a criar um álbum que realmente comunicasse o que eu queria expressar. Em Outro Lugar do Céu conta com músicas elaboradas entre 2020 e 2022, ou seja, algumas composições foram feitas durante a pandemia, em um tempo obscuro. Como tem sido revisita-las nos dias atuais? A pandemia foi um momento muito difícil para todos, para alguns mais que outros, com muito sofrimento e perdas. Uma das músicas do disco, “Estrela”, foi dedicada a uma pessoa que se foi nesse período. No entanto, tive o privilégio de estar na natureza, em uma casa de campo em 2020, e isso me ajudou muito. Foi um momento de grande introspecção, onde eu estava bastante focado em mim mesmo, praticando meditação e compondo muito. A música foi uma grande aliada nesse processo, já que compor, para mim, também vem de um lugar terapêutico, onde consigo me expressar de uma maneira mais completa e expansiva. O processo do disco é curioso: você começou a trabalhar nele sozinho e ao perceber a necessidade de expandi-lo, você chamou Guilherme Lírio para a produção. Quando foi a virada para sair do faça você mesmo para dar continuidade com outras pessoas? Eu comecei a gravar esse disco sozinho, apenas voz e violão, mas teve um momento em que percebi que seria muita coisa para eu dar conta sozinho. Além disso, eu queria um olhar de fora, uma perspectiva diferente, de alguém que eu admiro e confio. Foi aí que decidi chamar o Guilherme Lírio para a produção. A ideia era expandir as músicas, fazer com que elas atingissem todo o potencial que eu sentia que elas tinham. O trabalho do Guilherme Lírio foi incrível, foi a escolha certa, ele foi fundamental para esse processo. O momento de virada foi quando percebi que precisava de alguém para me ajudar a levar essas canções além, para dar a elas a direção e a amplitude que eu sentia. "Posso dizer que todas as músicas do meu disco realmente comunicam algo que aconteceu na minha vida, algo que senti intensamente e que transbordou em forma de música. Para mim, compor é uma forma de expressar o inexprimível, de transformar sentimento em som. Por isso digo que lançar esse álbum é uma grande exposição para mim, que não sou uma pessoa muito expositiva. Compor é uma experiência meditativa para mim e vem de um lugar muito genuíno, então foi necessário muito trabalho interno para decidir gravar e colocar isso no mundo." O disco mistura a sonoridade atual do Rio de Janeiro com a música mineira dos anos 70 e 80. Esses dois extremos são responsáveis em te levar para outro lugar do céu? Aliás, a influência do Clube da Esquina é muito forte, por que ela te impacta? Sim, a influência do Clube da Esquina é forte para mim. Passei por uma fase intensa ouvindo a música mineira, começando com Milton Nascimento por volta de 2019 para 2020. O som dele me impactou muito, me fez explorar sentimentos novos e profundos. A música de Milton, pelo menos para mim, tem esse poder de te transportar para um estado diferente. No entanto, o título Em Outro Lugar do Céu não está diretamente ligado a essas influências musicais, mas a uma experiência pessoal mais relacionada à meditação, especialmente à meditação transcendental, que não só pratico há muito tempo, mas também ensino a técnica atualmente. Já participei de muitos retiros e até viajei para a Índia, o que influenciou as minhas composições e letras. O disco reflete essa conexão com a minha vivência meditativa. Claro, minhas influências musicais sempre estarão presentes no meu som, e Milton Nascimento é uma dessas figuras que, através do seu canto, traz algo muito próximo a essa experiência meditativa para mim. Já me emocionei muito ouvindo Milton, Beto Guedes e Lô Borges, que também são imbatíveis. Esses três foram os que mais me marcaram no Clube da Esquina. Suas canções são compostas por diversos símbolos, mas o mar, sol, nuvem e céu se destacam. O que eles representam para você e qual a ideia que deseja passar aos ouvintes? As letras das músicas foram criadas de forma bem espontânea. A ideia de cada um desses símbolos está ligado a cada música em que eles aparecem, mas, eu diria que o céu e o mar, por exemplo, podem se destacar nas minhas canções por representarem o infinito de certa forma. Quando olhamos para o mar, para aquele horizonte que aparenta não ter fim, isso evoca uma sensação de infinitude. A visão do céu traz um sentimento parecido, algo que não é concreto, que nos dá uma sensação de leveza e infinitude. No céu, não há o peso de pisar no chão. É uma instância diferente. A nuvem, flutuando ali, também pode ser um símbolo dessa leveza. No entanto, para mim, essas imagens vão além de suas representações ordinárias. Elas têm um significado mais profundo, ligado à minha prática de meditação, especificamente a meditação transcendental. Essa prática me permite mergulhar dentro de mim e encontrar essa infinitude que existe em tudo. Para mim, esses símbolos refletem essa experiência de vastidão e leveza que eu encontro na meditação. Além disso, estar em contato com a natureza é uma experiência importante para mim, então é natural que essas imagens surjam nas minhas composições. Em Outro Lugar do Céu conta com participações. Como foi a escolha destes nomes e trabalhar com eles? Praticamente todos os músicos que participaram do disco foram convidados pelo Guilherme Lírio. Antes do Gui entrar no projeto, eu já havia chamado o Paulo Emmery e o Gael Sonkin, amigos e músicos incríveis, para tocar bateria e baixo. Depois que o Guilherme entrou como produtor, ele trouxe mais músicos incríveis. Essa experiência foi nova e muito emocionante para mim; gravar com músicos tão excepcionais realmente fez as músicas crescerem em lugares que eu não imaginava. Sentir as canções evoluindo a cada gravação foi uma experiência única e emocionante. Suas letras são poéticas e reflexivas. De onde vem suas inspirações? Inclusive, como o papel da meditação e de olhar para o interior auxiliam no seu processo de criação? O que eu canto é inspirado nas minhas vivências pessoais. Cada música representa uma reflexão minha, ou uma experiência que tive e precisava traduzir em forma de música. Como eu comentei anteriormente, a música tem muito esse papel terapêutico para mim. A inspiração vem dessas experiências pessoais, e a minha conexão com a meditação amplifica esse processo. Com certeza a minha prática com a meditação transcendental está muito ligada às letras e composições das minhas músicas. “Vim da Solidão” é um título forte, mas no decorrer você canta: “nasce o céu / um caminho no mar / encontrar minha vida / meu lar” É possível encontrar uma saída da escuridão? Encontrar um caminho para além das dificuldades requer paciência, esperança e, acima de tudo, ser verdadeiro consigo mesmo, mas sempre é possível. O melhor que podemos fazer, por mais difícil que possa ser, é transformar as experiências em aprendizados que levamos para a vida. As experiências que tive, refletidas nessa música, me ensinaram muito a dar valor à solidão. A transformar a solidão em solitude. Saber estar sozinho e assumir quem sou independente de qualquer coisa ou qualquer um. Estar sozinho mesmo em conjunto, ser quem se é sempre. Nesse sentido, “Vim da Solidão”, para mim, fala mais sobre a solitude e a importância de saber estar sozinho. Sempre fui uma pessoa introspectiva, e momentos de solidão para compor e meditar foram essenciais para mim. A ideia da música é utilizarmos essa solidão como um caminho para encontrar quem somos. Tem muito a ver com o conceito de “individuação” de Jung. Ao assumir quem somos, independentemente do julgamento externo, acredito que só coisas boas podem surgir, por mais difícil que possa ser. Encontrar um caminho para além das dificuldades requer paciência, esperança e, acima de tudo, ser verdadeiro consigo mesmo. Mas sim, acredito que é sempre possível encontrar uma saída, usando a força do coração e vontade de viver. “Matar com amor essa dor”, como disse Milton Nascimento.