Malu Maria sobe ao palco usando o figurino da artista Lina Chaia em parceria com a estilista Fernanda Yamamoto. Os óculos escuros e o coturno combinam com a cantora que se junta à Nath Calan (bateria), Carlos Gara (guitarra) e Eristhal (baixo) para iniciar o show, que faz parte do projeto Cedo e Sentado do Studio SP. As músicas de " Ella Terra " (2020), seu segundo álbum lançado durante o isolamento social, ecoam pela casa de show, fazendo com que a plateia tímida (e friorenta) se balançasse de um lado para o outro. Enquanto isso, Malu Maria está rodopiando, fazendo com que seu vestido dance com ela. Em seguida, a artista convida Laya Lopes ao palco. As parcerias não param: Tatá Aeroplano e YMA também participam. Após um longo tempo de reclusão, continuamos buscando maneiras para não adoecermos mentalmente e fisicamente, além de encontrar métodos que acabem com as mudanças climáticas que pioram constantemente no planeta - por isso que as canções de "Ella Terra" ganham força quando são tocadas ao vivo. Enquanto está no palco, Malu Maria mistura performance com o teatro. Leia também: Quarteto Pizindim: o choro da Zona Leste Show: Corpo Sem Juízo A florescência de Victoria Saavedra Suas músicas se complementam com as artes performativas. Quando você iniciou sua carreira na música, seu objetivo sempre foi misturar as artes? Sim, sempre. Desde que comecei a escrever já parti para as rimas e poesias, meus poemas saíam com ritmo e melodia naturalmente, ou seja, música. Então comecei a cantar e a aprender violão. Peguei o violão do meu irmão emprestado e passei a compor, aos 17 anos montei uma banda super performática, pois já fazia curso de teatro e também aulas de dança. Meu pai é desenhista, estudou cinema, é ator e arquiteto, eu cresci nesse meio. Nunca consegui separar uma linguagem da outra enquanto criadora, no meu imaginário surge tudo meio junto. Desde pequena eu circulo pelo teatro, a dança, as artes plásticas, a poesia, a música, o cinema… Trabalhei como artista circense por mais de dez anos, me formei em performance, dança e teatro na PUC, estudei músicas em diferentes escolas, diferentes instrumentos. Relacionar as linguagens é divertido e muito natural pra mim. Seu primeiro álbum "Diamantes na Pista" é dançante, feito para a pista, que traz imagens enquanto se dança. O que te levou a trazer esse tema? Primeiramente, eu amo dançar e depois, eu amo me apaixonar, e eu estava apaixonada na época que fiz essa canção. Aliás, esse disco como um todo é uma declaração de amor, um amor psicodélico, cheio de cor, som e poesia. A paixão torna a existência mais poética, nos dá mais inspiração e a dança nos proporciona liberdade e sensação de transcendência. A música "Diamantes na Pista" é uma declaração com um convite à liberdade ao mesmo tempo, tudo em ritmo de dança, tudo na pista de dança, que é o lugar mais mágico que existe. Os diamantes remetem a um mundo idílico, mágico onde os amantes se encontram para além do tempo e dos limites do cotidiano. "Ella Terra" é diferente, traz diversos cenários sonoros e tem a sustentabilidade e natureza como temas centrais. Quando você percebeu que queria tratar esses assuntos no seu álbum? No primeiro álbum, "Diamantes na Pista", surgiram imagens mais sintéticas, utilizei tecidos brilhantes, proposta noturnas, imagens urbanas e tals… Nessas, acho que acabei sentindo falta da natureza e do lado mais orgânico, e por necessidade dessa conexão fui fazendo músicas com um viés mais natureza. Sou professora de yoga, já morei em comunidade na roça, passei a infância no litoral, minha mãe é terapeuta floral, sempre meditou e fez yoga… Acho que tudo isso sou eu, porém, além de toda essa relação subjetiva, eu entendi que a necessidade desse "retorno" aos ancestrais, à gaia, à natureza, era mais do que urgente, não somente para mim, mas para o mundo, acho que de alguma forma sentia o que estava por vir… Não é possível. O disco foi finalizado em fevereiro de 2020, um mês antes do vírus se espalhar pelo mundo todo. Eu entendo a pandemia como um desequilíbrio na natureza por conta do descuido humano e esse disco fala muito sobre isso. Acabei lançando no meio do fechamento total, e um dos motivos, que mesmo assim eu lancei, foi porque o tema estava muito conectado com o inconsciente coletivo daquele momento. Aliás, como foi lançar um álbum durante a pandemia? Foi ruim, pois ficou faltando muita coisa, entre elas fazer show, circular, conectar, abraçar e para um álbum denominado "Ella Terra" ficou faltando o mais importante: aterrissar. Diante da angústia de não poder tocar ao vivo e performar as imagens das canções em meu corpo em forma de dança, figurinos e atuação, eu fiz alguns videoclipes. No Youtube tem três desses trabalhos. Fiz remotamente o clipe de "A Mentira dos Homens" com projeções e dança junto com o Vini Poffo. Assinei a direção e edição do clipe "Salão da Ilusão" e "O Mar Levou". São clipes de baixíssimo orçamento e super caseiros, mas que ganharam lugares importantes em listas de melhores clipes e até indicação a prêmios. Eu gosto dessa linguagem "faça você mesmo", acho que acaba ganhando outras qualidades e mais veracidade. Pra mim trabalhar com os clipes foi a forma que encontrei de dar a continuidade que gosto, de circular entre as diferentes linguagens artísticas como falamos lá em cima. "Brasil", última música do álbum, é potente. Pergunto: ainda é possível se entorpecer de amor, fantasias e fantasmas? A música "Brasil" é uma crítica a essa eterna distração e ciclos e ciclos de massacre, mentira e ilusão que vivemos. "Brasil" é um amontoado de sentimentos desorganizados e inclassificáveis. Eu tenho muito amor por essa terra, sabe, mas ao mesmo tempo é tudo muito errado… E feio… Essa música conseguiu traduzir um pouco o que sinto em relação ao nosso país, tão belo porém violentado pela própria história. A sensação é sempre a de esperança, como se houvesse algo de muito maravilhoso para acontecer a qualquer momento. Este ano, você lançou três singles, todos em parceria. Como foi o processo de escrita e escolha de músicos? Cada um foi de um jeito diferente. São canções que surgem sem contexto para se enlaçar às outras e assim rolar um disco inteiro, porém, são canções que chegam com força e, por isso, urgência. Então, nascem solteiras. Adoro essa possibilidade de poder lançar canções solteiras, livres para experimentar novas parcerias e formatos. Escolhi pessoas que admiro para participar. Pessoas realmente especiais para mim naquele momento e únicas para cantarem especificamente cada canção. Convidei a YMA para uma música, "Espelho Infinito", que eu fiz para ela e sobre ela. O Tatá Aeroplano ("O Seu Amor"), também é a mesma situação e a Flaira Ferro [ com ] "Saudade Semente", porque eu fiz a música numa imersão artística que ela ministrou. Os produtores respectivamente são Eristhal, Gustavo Ruiz e Dustan Gallas. Recentemente, você levou suas canções ao Studio SP. Como foi voltar aos palcos após dois anos de isolamento? Foi maravilhoso. Um parto, uma finalização de ciclo, ainda não sei direito! Foi como chegar ao mar após uma longa caminhada de sol intenso. Posso dizer que agora eu abri espaço no meu HD para novos projetos, novas possibilidades, mais shows, mais parcerias, mais trocas! Fazer esse show lá no Studio SP, num palco tão importante para a cena da música brasileira, foi muito significativo para mim. O Studio SP reabre após muitos anos e logo em seguida da pandemia e vem fazendo shows incríveis desde então. O que é muito importante dizer é que essas casas de show, esses espaços, são fundamentais para a engrenagem da música e da cultura - e nesse momento estamos precisando mais do que nunca de espaços assim, com uma curadoria democrática, abrangente e que visa entregar arte de qualidade. Reencontrar o palco e o público faz tudo fazer sentido. A cantora que recebeu indicação ao prêmio APCA 2018 encerrou o show após fazer um medley com os dois discos. A dança continua, mas agora nos ouvidos do público que se despedem do show de Malu Maria.