Após ser traída pelo marido, Medéia assassinou seus próprios filhos. O grito, para alguns, soa como um ato de loucura, no entanto, Eurípedes mostra que a vingança foi feita para machucar o homem - este indivíduo que sempre se coloca no protagonismo e que nunca é responsável por suas escolhas e erros. Datada 431 a.C., a peça continua inspirando novas adaptações - como é o caso de Mata Teu Pai , encenado pela Cia OmondÉ, no Sesc Pompeia. Escrita em 2016, após o golpe de Dilma Rousseff, por Grace Passô, Mata Teu Pai traz uma reflexão sobre nosso tempo e suas fronteiras. Dividindo o palco com um coro de senhoras, Débora Lamm é Medeia, uma mulher que carrega amor e ódio dentro de si. Em mais de uma hora, o enredo revisita o trágico mito, debatendo sobre a condição da mulher atual na sociedade. "Preciso que me escutem!", é o que diz Medeia em sua primeira fala e entre expatriados e imigrantes, em estado febril. Suas vizinhas e cúmplices - a síria, a cubana, a paulista, a judia, a haitiana - a escutam. Não só elas, o público também. Ao percorrer sua história e das companheiras de cena (que se intercalam entre o enredo e demais personagens), a protagonista decide que quem tem que morrer é ele, fazendo uma alusão direta ao patriarcado. Leia também: Impressões: Holograma O Que Só Sabemos Juntos O Choro nas Bordas da Metrópole Durante a peça, descobrimos que a personagem é uma estrangeira, que passa por cidades diferentes, consequência do amor que sentia pelo marido. Através da paixão, a mulher abandonou sua personalidade, sua vida, pelo homem - o indivíduo que tem a liberdade de agir da maneira que deseja. O mesmo que a traiu e que é um pai ausente aos filhos. Ao resolver contar sua história, Medeia ganha voz e tamanho, mudando o cenário, ou seja, torna-se a protagonista de sua vida. Encenada pela primeira vez em 2017, Mata Teu Pai já passou pelo Rio de Janeiro, Curitiba e Belo Horizonte, no formato presencial e online, durante a pandemia. Com direção de Inez Viana, a obra aborda a nova onda do feminismo, preconceito e intolerância a partir dos sentimentos e observações de Medeia - uma mulher presente dentro de cada mulher.