Anos atrás, um artista me disse que não é necessário muita aparelhagem para desenvolver sua própria arte. Segundo ele, um ambiente seguro, acompanhado de uma folha e caneta já são suficientes para iniciar uma ideia que está guardada há muito tempo. Foi assim que Gabriel Martins criou o Dezert Horse, seu projeto musical de experimentações e sensações. Suas primeiras canções surgiram enquanto ainda cursava o ensino médio. Com o passar dos anos, o olhar atento e os sentimentos ganharam uma nova camada, afinal, durante o crescimento, informações e interpretações do mundo são modificadas. Dessa maneira, em 2020, lançou o seu primeiro EP "Time Lapse", compartilhando com o músico sua visão sobre a existência. Mas foi em "Horizonte", seu primeiro álbum, lançado no ano seguinte, que Dezert Horse criou uma narrativa para suas paisagens sonoras, cheias de saudades, nostalgias e expectativas para o futuro que se entrelaçam entre os instrumentos. Essa proposta continua em "Você Não Corre Mais", lançado em setembro. Nele, o artista explora a psicodelia, acompanhado por sua guitarra e sintetizadores, em diferentes conversas consigo mesmo. Aqui, criador (Gabriel) e criatura (Dezert Horse) se misturam para destrinchar temores, refazer rotas, descobrir novas coisas e, acima de tudo, celebrar seus aprendizados. Leia também: Atravessando a pele de Venusto Conheça: SONZERIK A montanha rústica de Léo Ramos Quando foi o momento que você percebeu que gostaria de fazer e compartilhar música? Desde criança eu sempre amei música. Adorava os Beatles, Linkin Park, System, várias bandas de rock por influência de minha família mesmo. Meu pai, minha irmã e meu irmão sempre me indicavam músicas diferentes, que de pouco em pouco iam entrando em minha rotina. Quando eu tinha uns 8 ou 9 anos, eu encontrei um discman da minha irmã e usava ele sempre ouvindo uns CDs dos Beatles que também eram dela, mas eu nunca tinha pensado seriamente em fazer música, sempre tive vontade, mas nunca pensei seriamente nisso. Em 2018, entrei no Instituto Federal Goiano Campus Ceres e lá foi onde eu conheci muita gente que também gostava de música tanto quanto eu, e muita gente que tocava - em uma dessas de ficar falando sobre música atoa com os amigos, a gente resolveu montar uma "banda", banda essa que pelos cálculos tinham 3 guitarras, eu que não sabia cantar e nem tocar nem nada e um batera. Nem preciso falar que a banda deu errado [risos] , mas foi um dia muito feliz pra mim. O Paulo Sérgio (Natureza), grande amigo meu, e eu nos divertimos muito esse dia! O resto da banda foi curtir, jogar ping pong e tudo mais, mas eu e ele ficamos conversando, ele tentando me ensinar a tocar o lead de "Foi Mal", do Boogarins, no teclado… Ficamos a tarde toda assim. Eu nunca vou esquecer o quanto fiquei feliz de saber que era muito prazeroso fazer música. Desde então eu fiquei por isso, fui aprender violão, guitarra, teclado, tudo que eu podia pôr nas minhas mãos, e logo após tudo isso, em 2020, montei um home studio em meu quarto e comecei a fazer música e nunca mais parei. Dezert Horse foi o nome escolhido para você compartilhar sua música. Como surgiu? Aliás, existe um significado para você? "Desert Horse" é uma música de uma das minhas maiores influências, a francesa Melody’s Echo Chamber; é uma canção do seu segundo álbum, "Bon Voyage". Essa música foi uma explosão pra minha cabeça quando ouvi, trocas de beats com sonoridades psicodélicas e gritos, tudo que existe de loucura na música está contido naquela canção, é uma música de extrema importância para mim, pois me acompanhou em momentos muito marcantes. Acho que escolher esse nome foi uma forma de perpetuar essas lembranças. [Acabei] trocando o s por z porque os zs são muito mais rock and roll. Você faz todos os processos de uma música. Como é trabalhar dessa maneira? Você consegue ter um processo de criação? É libertador! Poder fazer as coisas no meu tempo me dá uma liberdade muito maior para explorar novas sonoridades e texturas, sem contar com outros benefícios como não ter que pagar um estúdio ou algum produtor, acho que poder ter controle de todo processo me deixa mais confiante. O seu primeiro álbum, "Time Lapse", foi lançado há três anos atrás. O que mudou em você? Seja em você ou até no seu modo de fazer arte Muita coisa muda em três anos, acho que para o projeto foram anos de muito aprendizado. Após o EP "Time Lapse", eu foquei muito na produção de "Horizonte" e nesse processo, eu começo a perceber a importância de colaborações na música - tive a oportunidade de trabalhar com pessoas incríveis na produção desse álbum como PinkOpala, Projeto Casulo, Tobias, Anderson Maia, Josefooo e Ganwalk. Foram várias pessoas que o projeto se tornou praticamente um álbum colaborativo, mas sempre com uma narrativa ao entorno do disco. E nesse último ano, com a produção do "Você Não Corre Mais", novamente foi esse processo de experimentar bastante com o som, seja isso deixar o som irreconhecível com muitos efeitos e descobrir novas formas de fazer o que eu já fazia, porém, com mais liberdade. Suas músicas misturam letras com experimentações. Como você consegue criar uma narrativa? Eu reparo bastante nisso e é uma coisa super interessante. Geralmente, no começo de uma nova faixa ou no início de produção de um álbum, a narrativa ainda não é existente por completo na minha cabeça. Eu sei o que eu quero falar e expressar, mas não tenho ideia de como isso vai sair e como vai encaixar no decorrer do processo - a narrativa meio que se desenvolve juntamente com o projeto e com isso consigo explorar mais ainda com as texturas do som. Por exemplo, a faixa "Medo", que fiz com Ganwalk, era uma faixa que não ia ser usada e eu peguei pro disco, depois de quebrar muita cabeça na música e entender o que ela queria ser no contexto do álbum, que realmente saquei do que a música se tratava e como eu iria fazer essa ambientação da música juntamente com as outras faixas, por isso, é muito notável essa troca de humor no meio da música, como se fossem duas partes 100% diferentes. Diferente de "Time Lapse", "Horizontes" já conta com participações. Quando você percebeu que gostaria de se misturar com outros artistas? Como disse anteriormente, eu foquei muito na produção do “Horizonte” e, no decorrer da caminhada de produção do disco, eu tive a oportunidade de conhecer e trabalhar com pessoas que admiro muito, isso me fez ver a importância das colaborações na música. Nessa mesma época vi Giovani Cidreira lançar "Nebulosa Baby", disco que contém muitos colaboradores e vi uma beleza muito grande nisso que talvez nenhum outro projeto tenha feito eu me sentir assim. Desde então, levo a colaboração como parte essencial da música, mesmo que meu último álbum tenha menos colaboradores do que o penúltimo. Já em "Você Não Corre Mais" vemos novas experimentações e muitas das suas vivências. Como foi conversar com os diferentes Gabrieus que habitam em você? Inclusive, foi difícil mostrar seus aprendizados e mostrar os seus temores? Foi uma experiência nova, acho que no começo eu me sentia na obrigação de falar meio misticamente sobre as coisas nas músicas, não deixar a letra tão acessível, sejam elas com efeitos ou diminuindo o volume da voz. Já nesse disco, eu vejo que larguei isso um pouco de lado, ele é mais claro, mesmo com os efeitos, as vozes são bem mais evidentes e isso se deve muito por conta da letra, da intimidade que é passada nas canções. Foi um pouco difícil mostrar essas partes, mas com o decorrer da produção, fui aceitando cada vez mais que era realmente isso que eu queria falar e assim foi. Uma informação me chamou atenção: o disco foi gravado na sua casa e dos respectivos artistas convidados. Os anteriores foram gravados no seu quarto. Pergunto: é mais fácil criar em seu próprio canto, isto é, em sua redoma? 100%! Existe essa segurança. Eu acho que eu jamais trocaria gravar em casa por gravar em estúdio. Primeiramente, você não precisa pagar por hora, não tem aquela pressão, você simplesmente começa a ver a produção e a música virando parte da sua rotina por ser algo que já está na sua casa. Tem uma comodidade enorme e eu tenho certeza que isso influencia demais no meu som.