Em "A Cerimônia do Adeus" (1981), Simone de Beauvoir faz um relato sincero e emocionante sobre os últimos anos de vida de Jean-Paul Sartre, abordando temas sensíveis, como a velhice, existência e morte. Dessa maneira, o passado, marcado por uma juventude intelectual-revolucionária, ficou para trás - agora, só existe a certeza sobre o fim. É com o fim que se inicia a peça que traz o mesmo título da obra. Enquanto Sartre morre no livro, o jovem Juliano (Lucas Lentini) se despede da adolescência, época marcada por conflitos existenciais, dúvidas sobre sua sexualidade, assim como o sentimento de não pertencimento à cidade que mora e as brigas constantes com a família. Em decorrência dos atritos, Juliano se refugia no quarto, acompanhado de seus livros. É ali que mantém um relacionamento obsessivo por Sartre (Eucir de Souza) e freudiano com Simone (Beth Goulart), enquanto a mãe Aspázia (Malu Galli) trabalha, cuida do marido com a tosse crônica e ampara Brunilde (Olívia Araújo), a tia espírita. A batalha entre gerações acontece enquanto a ditadura civil-militar se inicia. Assim como os jovens de 1968 (impossível não lembrar de "1968: O Ano que não Terminou", de Zuenir Ventura), Juliano fica inquieto diante do conservadorismo da família e da sociedade. Acompanhado por Francisco (Fernando Moscardi), seu melhor amigo, os dois mergulham na literatura e em relações para continuarem vivos, longe da Náusea que todo mundo carrega consigo. No entanto, os meninos são diferentes de Lorenzo (Rafael de Bona), o primo machista que trai a esposa grávida e que possui uma dubiedade sexual com Juliano. Leia também: Lurdez da Luz celebra o poder feminino da mulher latino-americana A revolução artística de Paula Gaitán Impressões: Hospício é Deus Escrita por Mauro Rasi e dirigida por Ulysses Cruz, o cenário de "A Cerimônia do Adeus" é composto por quatro portas, onde as personagens passeiam com passos curtos, longos, leves ou fortes. O palco se transforma em diversos cômodos, com banquinhos, bebidas, telefone, discos e, é claro, com livros. Os elementos presentes carregam as características das personagens, além de auxiliarem os sentimentos que o público desperta enquanto assiste. Passado e presente se misturam. O ritmo de "A Cerimônia do Adeus" é intenso, assim como a trilha sonora, composta por André Abujamra. Lucas Lentini entra no meio da pulsação, trazendo uma atuação poderosa ao viver o alterego de Rasi. Inclusive, é possível que o público se enxergue em cada personagem, afinal, os sentimentos são reais. Malu Galli é uma mãe cansada que vive pelos outros, se preocupando com as ideias do filho. Ela diverte o público ao chamar Simone de vagabunda - uma contradição, visto a obra "O Segundo Sexo". Percebemos que Aspázia não se vê como mulher, já que não possui tempo para suas próprias questões. Os filósofos, vividos por Beth e Eucir, estão ótimos e cômicos, no tom correto da peça. (Foto: Lenise Pinheiro / Instagram) Para recuperar o ritmo e trocar alguns itens de cena, é feito uma pausa de 15 minutos. Ao retornar, Juliano está mudado. O rompimento da adolescência aconteceu. A mãe também está mudada, após conversar com Simone sobre ser mulher. O pai que antes tossia, está melhor, consegue conversar, diz Aspázia. O final é bonito: a mãe, que no início estava vestida de preto, se troca, voltando com um vestido florido. Ou seja, a antiga Aspázia morreu, uma nova mulher surgiu. Simone e Sartre também se vão. Duas outras mortes encerram a cerimônia do adeus. Quando as luzes do teatro se acendem, lembro de uma frase do livro: "Para mim, uma ruptura não significa nada. Algo morreu, eis tudo." Agora é hora de encontrar um caminho para continuar existindo.