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Foto do escritorMichele Costa

Nozes foge do absurdo diário

Você já percebeu os diversos nós em uma linha? Ao tentar desenrolá-los, muitas vezes, não conseguimos, por isso, ignoramos, deixando-o de lado. Agora, imagine três amigos que decidiram se juntar para criar uma banda porque os nós - da vida, gostos, ideias e muito mais - se uniram. Marcel Saudade, Pedro Silveira e Roberto Betini são Nozes, um trio que faz música a partir dos conflitos, necessidades e satisfações da realidade contemporânea. Diferente do obstáculo citado acima, a união os deixam livres.


Assim como a filosofia do escritor francês Albert Camus, a Nozes não aceita a realidade, por isso, faz a revolução com música. A partir de observações e vivências, a banda utiliza a abertura de vozes, coros, ruídos e sons de ambiente para fugir dos absurdos diários, lembrando que a vida vai além da rotina dolorida, consequência do capitalismo e neoliberalismo. 


Em Mais do Que um Simples Medo, primeiro álbum do trio, os amigos retratam os efeitos do medo da solidão. Em oito faixas, Nozes apresenta novas interpretações da carreira solo dos artistas do Selo Parafuso, mostrando que não precisamos ser iguais ao Sísifo: carregar uma pedra para o resto da vida para continuar vivo. 


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Eu acho que a última vez que a gente falou sobre Nozes, se a minha memória não me falha, foi em 2021 ou 2022. Após a apresentação, vocês retornam agora, em outro período da vida. Como foi voltar e com um disco? 

Pedro: Eu acho que era, mais ou menos, volta de 2022, provavelmente começo ali de 2022, em que começou a surgir algo de Nozes, assim, né? A gente já fazia coisa junto. A Nozes surgiu mesmo oficialmente ali por conta de um show que o Marcel ia fazer e era meio solo. O Roberto foi acompanhar ali esse show solo e, em um momento, eu meio que me intrometi ali no meio [risos]. Falei “não, deixa eu tocar a bateria aqui”, em um dos ensaios que eles estavam fazendo. E aí deu um caldo ali, né? Então, as coisas foram surgindo, eu acho que muito de uma forma orgânica, mas muito pronta já. Então, tinha as músicas já prontas, não tinha nenhuma música que foi composta para Nozes especificamente, mas tinham já todas as músicas, já existiam, o que a gente fez, acho que com exceção de uma ou duas que elas não existiam 100%, mas já tinha alguma coisa ali criada que a gente pegou para a gente, assim, né? Nada foi criado pensando na Nozes, né? Acho que foi um processo muito natural mesmo, assim. Acho que não foi muito planejado de voltar com... 

Roberto: É, meio que aconteceu com a maioria das coisas que a gente faz [risos]. Aconteceu e a gente falou “ah, tá maneiro isso aí, vamos ir mantendo, né?” Eu acho que o Marcel tava compondo ainda algumas quando a gente ensaiava, né? Algumas já estavam prontas, ele já tinha, outras estavam ali, mas não estava em estrutura de banda, né? A gente tinha nossas músicas solo, assim, vamos dizer. Aí a Nozes, basicamente, é fazer um mexidão. Vamos pegar nossas músicas, vamos colocar um temperinho do Pedro aqui, um temperinho do Marcel, o meu, e vamos fazendo em conjunto isso aí. E eu acho que essa... O Pedro se descobriu como baterista, né? Nesse meio tempo. E, pô, mas ficou maneiro, cara. A gente não tinha tanta pretensão em gravar no início, né? 

Pedro: Eu lembro de um momento que a gente se entendeu como uma banda, foi em uma conversa que a gente estava ali e... E aí eu tinha uma outra banda com o Roberto, né? O Marcel estava fazendo as coisas dele, enfim, aí chegou um momento em que a gente falou “nossa, sempre no final dos rolês, no final das coisas, sobram os três juntos.” [risos] Acaba sobrando, ficando o núcleo dos três ali, sabe? Então a gente falou “putz, eu acho que tem alguma coisa aqui já que está indicando que existe esse caminho.” Eu acho que o álbum é um retrato desse momento também, de entender que, olha, nesse momento, estamos aqui caminhando para ficar os três juntos. 

Marcel: Uma coisa que foi muito importante, acho que pra mim, do álbum, foi que esse álbum ele fecha um ciclo dentro da Parafuso. Porque a Parafuso teve um processo de cada um lançar uma coisa e cada um lançou uma coisa agora, sabe? Então pra mim a sensação de quando o álbum foi lançado foi uma sensação muito estranha, tipo de... Tem aquela frase famosa - todo fim é um começo - e essa sensação de começo ficou muito forte, porque quando foi lançado o álbum, eu sinto que a minha maior dificuldade... O Roberto e o Pedro já tinham uma noção de música, o Pedro trabalha como produtor mais, assim, né? O Pedro tem um foco de produção musical, tem uma capacidade de entender música de maneira mais completa, de maneira mais clara, assim. E eu sinto que o Pedro trabalhou muito como orientador meu ao longo do tempo - o Roberto também, muitas coisas também, mas de maneiras diferentes, tal. [Em relação ao] palco, a relação com o Roberto me ensinou muita coisa, então a relação de banda no palco foi muito forte com o Roberto porque a gente tá tocando instrumentos melódicos, tal. Quando eu escutei o álbum, eu falei “tá, agora eu entendi o que a Nozes é”, tá ligado? Acho que eu finalmente tô escutando o que o Pedro e o Roberto tão escutando. Eu falei “gente, a gente tá só tocando coisas, eu não entendo o que tá ficando nessa banda.” Isso aqui não é uma banda, sabe? Eu não consigo entender qual é a cara da banda. Aí quando lançamos o álbum, eu falei “nossa, agora eu acho que eu consigo compor uma música pra Nozes.”


Outra coisa que eu achei muito curiosa foi que cada um lançou o projeto solo para, em seguida, vocês se reunirem. Como foi ver que vocês tinham tantas afinidades para juntar três cabeças em um só projeto? 

Pedro: Eu acho que foi muito natural. Uma coisa que eu lembrei agora, eu nem tinha me tocado, mas esse lance de não compor música pra nós, de pegar músicas que existiam e tocar no modo Nozes, né? E aí, esse show que o Marcel ia fazer, que aí ele começou a ensaiar com o Roberto, inclusive era uma provocação pra ele. “Você não tá conseguindo fazer isso?” Então marcamos um show dele. Tanto que na primeira apresentação da Nozes, ela nem chamava Nozes, né? Foi o show do Marcel, que o Roberto tava tocando baixo, eu tava tocando com bateria, que foi nessa intromissão. Só que isso foi muito natural, porque foi só uma extensão do que a gente já fazia. Então a gente já ficava conversando, trocando ideia, ficava depois do rolê juntos. Tipo, já tava todo mundo junto, fazendo coisas, pensando coisas juntos, que foi só, do meu ponto de vista, foi só mais uma coisa, assim, sabe? Não sei se foi algo muito novo e muito diferente que tivesse que ser explorado inicialmente. Claro que tem as explorações e descobertas desse novo processo, mas é só mais uma coisa que a gente tá fazendo juntos.

Marcel: Foi muito bom, foi meio, tipo, aquela coisa de, quando você tá com alguém, você percebe, que a pessoa é sua amiga, sabe? 


"A gente permite ter projetos que não combinam com a banda, sabe? Uma vez a gente compôs uma música com dois violões e um violoncelo. Pedro quer compor uma música usando só o acendimento de sopro, só. Eu sinto que é essa maravilha da Nozes e da Parafuso como um todo, sabe? Tipo, a gente não tem compromisso com o que as pessoas vão querer, sabe?" 

Vocês deram novas interpretações a músicas, junto com um toque de realismo existencial que, ao meu ver, não estava muito presente no projeto individual de cada um de vocês. Como foi fazer essas novas interpretações? 

Marcel: Eu quero citar um momento do Pedro, porque eu lembro de um momento bom: a gente tava em um bar, acho que o álbum tinha acabado de lançar, e a gente tava buscando justamente essa questão do álbum, o que ele tem, pensando nesse mosaico… O grande risco é fazer um grande medley de músicas e ficar divertido, mas nada vê, sabe? O que houve foi o tipo de cuidado, a partir da experiência do Pedro e o Roberto, foi dar uma cara para a coisa - o álbum parece uma coletânea de contos invés de uma narrativa, saca? Enfim, o ponto é que a gente tava no bar e o Pedro comentou “acho que não faz sentido” - a partir das conversas que estávamos tendo. O álbum também foi uma surpresa pra gente, sabe? A gente tocou as músicas, ouvimos e [percebemos] que foi um momento de reflexão nossa. Não sei qualificar o porquê do álbum se difere de cada um de nós… 

Pedro: Acho que esse lance que eu falei tem a ver com [o processo] de sermos amigos, conversamos sobre a vida, sobre banalidade e coisas importantes ao todo tempo, sabe? Mesmo antes da Nozes, já havia um pouco de cada um nas músicas e quando isso se junta, isso se potencializa e ganha outra dimensão. 

Marcel: Acho que é importante colocar que as músicas que eu tenho com a Nozes, eu não considero as mesmas músicas [que já foram lançadas]. Acho a música “Desprezo” interessantíssima porque ela foi composta pelo Pedro, mas ao ser tocada, foi recomposta, a gente foi repensando a música. Eu sinto que os ensaios livres que tivemos foi dando cara para as músicas. 

Roberto: Inclusive, a gente até demorou para encontrar algumas músicas. “Divórcio Entre o Homem e Sua Vida” ficou muito tempo cozinhando porque a gente não conseguia acertar o ponto. 


nozes
(Créditos: Rodrigo Eugênio)

Mais do Que um Simples Medo traz muitos conflitos da realidade, despertando diversos sentimentos. Eu queria saber como vocês enxergam esses sentimentos e essas diferenças realidades após a pandemia. 

Roberto: Eu tenho experiências que são bem particulares e sinto também que o Pedro e o Marcel têm experiências particulares, mas ao mesmo tempo existe algo que se conecta com a vida em geral, a existência. Ao se tornar um jovem adulto vem novos anseios, medos - e acho que é a partir desses pontos que vamos se conectando. 

É curioso você abordar a questão de tornar-se adulto, porque o álbum me lembrou muito a escrita de Albert Camus, principalmente a obra O Mito de Sísifo, com a seguinte escrita: “Antes, a questão era descobrir se a vida precisava ter algum significado para ser vivida. Agora, ao contrário, ficou evidente que ela será vivida melhor se não tiver significado”. Vocês acham que precisamos de um significado para seguir adiante? 

Marcel: O Camus tem um movimento em três momentos: absurdo, revolta e amor, mas em cada fase dele, tem as três coisas ao mesmo tempo. Eu sinto que neste primeiro momento da Nozes é voltado para o absurdo, mas com um quê de revolta - ela tá dentro do absurdo, porque o mundo é muito louco. Em opinião geral, dar sentido às coisas é bom, mas dar sentido para as coisas é uma coisa instável - o grande ponto de "O Mito de Sísifo" é dar nome às coisas, mas vai perder o sentido depois. Sou da opinião que as pessoas não estão prontos para Camus, mas também já vivemos [os temas abordados em suas obras] diariamente. Eu gosto de dizer que o sentido é uma coisa acumulativa. Aprendi com o Pedro que quando você tem uma coisa feita, essa coisa vira um símbolo e o significado é aquilo que você vai dar depois. 


Trabalhemos agora com o título: Mais do Que um Simples Medo. É um título com diversas interpretações. O que assustam vocês? 

[breve silêncio] Pedro: Acho que a vida assusta um pouco, porque é tão natural viver, mas é tão maluco ao mesmo tempo… É vendido um símbolo de normalidade de vida, só que essa normalidade é tão absurda e tão maluca… Quando você pára pra pensar, você fica “o que é isso?”. A realidade é bem assustadora! 

Marcel: Camus escreveu “não existe amor de viver sem o desespero de viver”. Eu estava em um estado bem depressivo durante a pandemia e naquele tempo nada me dava medo, porque era uma coisa redentora “todo mundo vai morrer, vamos morrer juntos.” Era uma visão esquisita, saca? Então, quando você percebe que vai ficar na terra, chegar aos 70 anos, se eu tiver sorte, é uma brisa. Viver é se colocar no mundo e querer viver. 

Roberto: Eu não sei, eu tenho medo de tanta coisa, na verdade. O medo é tão ancestral, tão intuitivo. Às vezes eu fico pensando “tô vivendo a minha vida, mas não pra mim” e eu tenho medo de não viver a minha vida! Eu também tenho de mudanças, de mudar, de pensar diferente, de não estar existindo… Particularmente gosto de sentir medo, de coisas que aterrorizam - de certa forma, buscamos isso. Enfim, tento entender porque estou com medo. 

Pedro: Uma brisa que me veio agora, talvez, o medo venha para nos dar algum sentido, sabe? Se você tá com medo de algo, isso significa alguma coisa para você. Talvez o medo seja um indicativo de caminho. 

Vocês acham que ao colocarem os medos para fora, eles diminuem? Ou vocês querem encontrar outras pessoas para sentir medo juntos? 

Roberto: Pra ser bem sincero, quando eu tô em transe artístico, eu nem paro para pensar no medo. De certa forma, me liberto, para o bem ou para o mal. Acho que a gente pensa no medo quando vamos analisar depois… O famoso “e se”.  

Pedro: Sabe quando você compartilha algo com a pessoa e depois solta um “vê se eu não tô doido”?! Acho que é um pouco disso. Quando você compartilha um medo com outra pessoa e ela fala “verdade, acho que é isso mesmo”, você não se sente doido - é algo que está acontecendo aqui e isso dá uma acalmada. 

Marcel: O medo normal é simplesmente [o fator] que vai acontecer. 



Em “Contramão”, vocês cantam: “Não deixe de seguir seu coração / Nos perdemos na razão”. É possível encontrar o equilíbrio? 

Roberto: O eu-lírico de “Contramão” é muito racional - eu até me enxergo, de certa forma, nesse eu-lírico. Nem sempre a racionalidade vai funcionar, né? Você sente, você tem aparatos para perceber o mundo e isso afeta a forma como você se sente - você tendo as informações, você consegue tomar decisões. Acho [que a música] é um convite para alguém que é muito racional refletir sobre. 

Marcel: A gente se perdeu na razão, porque se você fica tentando encontrar explicações pra tudo e, assim, você não faz nada. Isso se conecta com a música “Divórcio Entre o Homem e  Sua Vida": “quem tudo sabe, nada faz”, sabe? Imagina ter qualquer noção sobre os seus atos, em decorrência da razão? Talvez seja melhor não olhar para a razão. 


“Divórcio Entre o Homem e Sua Vida” retrata muito bem a ideia do disco. Se o homem tem tantas vidas, por que ele se perde e/ou se preocupa com tantos outros assuntos e não segue seus sonhos? 

Pedro: Vou dar a resposta meme: porque vivemos em uma sociedade… [risos] É meme, mas eu acho que é um pouco assim, sabe? Os sonhos, de certa forma, são idealizados e quando confrontamos a realidade com os nossos sonhos, tem hora que vai dar problema e aí você vai ter que se questionar. Existem diversas realidades, tem pessoas que vão adiar os sonhos por conta da sobrevivência… Mas nós temos a oportunidade de sonhar e talvez, por conta dos sonhos que temos, a gente não consegue perseguir alguns deles. 

Marcel: Tem uma entrevista com o Deleuze [Gilles Deleuze, filósofo francês], onde uma pessoa pergunta o que é desejo e ele responde: “nunca deseje uma coisa em absoluto”. Você nunca deseja alguém, você deseja a paisagem e as sensações que aquilo te proporciona. Nós temos diversas vidas, mas elas estão dentro do nosso mundo - não importa qual vida a gente quer viver, vai acontecer nesse mundo, sabe? 

Roberto: A vida, expressa no título [da música] é uma concepção totalmente diferente de quando ele diz  “tenho tantas vidas”, né? Pra mim, [a música é sobre] uma conversa entre a vida e o homem que quer se divorciar da própria vida, mas quando ele diz que tem tantas vidas, eu entendo que ele possui várias personas. Escolher um caminho também é difícil, né? Ao escolher um caminho, você está renunciando outro, você precisa escolher quais personas deseja aflorar. 


Quantos nós você possui? É possível desembaraça-los. Junte-se à Nozes e encontre a liberdade em uma queda poética e existencial. Em outubro, o Selo Parafuso realizará a segunda edição do Parque em Parafuso, evento quer reúne os artistas do selo para um dia de música. Para mais informações, acompanhe o Instagram.

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