Na era das redes sociais, a fotografia vai além de um hobby: torna-se uma necessidade.
Queremos guardar os momentos, compartilhá-los e dar continuidade à existência. No entanto, essas fotos representam quem realmente somos? A fotografia pousada é diferente da espontânea? Se sim, em qual delas somos verdadeiros? Faço esses questionamentos após assistir Eu Não Sou Tudo O Que Quero Ser, filme de Klára Tasovská. Nele, acompanhamos o crescimento da fotógrafa tcheca Libuše Jarcovjákové, que passou a vida retratando o cotidiano e sua história, visando se encontrar e entender.
A paixão pela fotografia começa na juventude, aos 16 anos, após ganhar uma câmera. As primeiras fotos são borradas, mas carregadas de sentimentos de Libuše. Com o passar do tempo, seus olhos capturaram a verdade dos momentos, ou seja, a ressaca após um dia de boemia, brigas, risadas, danças, frustrações com o próprio corpo, o desapontamento com a vida. Sua sensibilidade apurada a levou a ter problemas com o novo sistema governamental. Não demorou muito para que fosse proibida retratar a exaustão de trabalhadores. Inicia-se uma perseguição contra a fotógrafa.
Leia também:
Eu Não Sou Tudo O Que Quero Ser é narrado a partir dos relatos do seu diário, com as imagens tiradas desde a adolescência. A sonorização adicionada dialoga com as imagens, deixando o filme mais humano, além de transportar o telespectador para as diferentes épocas que a fotógrafa viveu. A obra inicia a partir de um convite para uma exposição. Libuše confessa que esperou este este momento há anos: "Por uma mensagem como essa, esperei durante 50 anos, durante toda a minha vida. Durante todo esse tempo acreditei ser uma fotógrafa, mas ninguém se importou."
Narrado pela própria fotógrafa, Eu Não Sou Tudo O Que Quero Ser faz uma linha do tempo da vida de Libuše, ou seja, aborda a adolescência, o despertar sexual, família, os abortos, as frustrações e a depressão. Suas imagens desafiam a arte - ‘arte’ definida por críticos e acadêmicos - por retratar a realidade. A violência está presente na obra de Libuše: em um determinado momento, ela registra o processo do primeiro aborto que fez e as imagens, combinado com o texto, dói a alma. “Agora estou aqui deitada, arrasada após o procedimento. Sinto-me completamente desligada de tudo. Não tenho absolutamente nenhuma autoestima. É como se o meu corpo não fizesse parte de mim. Não tenho valor para mim mesma”.
Libuše encontra um novo caminho ao visitar Tóquio pela segunda vez. Com o suporte de um amigo, ela consegue o seu espaço e começa a fotografar pessoas importantes em revistas grandes. Por um momento fica feliz, mas se vê deprimida ao fazer o balanço da vida: "Estou desperdiçando completamente a minha vida." A fotógrafa não se sente completa e nem que o seu trabalho esteja representando sua ideologia. Por isso, volta para casa para recomeçar. "Troco minha vida por uma nova. Estou recomeçando. Pode ser um passo no vazio, mas é um passo em frente, não estou parada", diz.
Ao voltar para Berlim, reinicia tudo de novo. Libuše não desiste e, pela primeira vez em anos, se sente bem consigo mesma. Enquanto limpava hotéis, fotografava, voltando aos seus ideais. "A câmera é uma ferramenta de navegação. Me ajuda a voltar para mim mesma. É disso que mais preciso agora: descobrir o meu verdadeiro eu."
Ao tornar-se fotógrafa, Libuše Jarcovjákové propõe se conhecer. Aliás, foi através das próprias vivências que descobriu a mulher que é hoje, mas o interessante é que, no final de Eu Não Sou Tudo O Que Quero Ser, ela diz que nunca vai parar de se perguntar quem ela é, mostrando que o indivíduo se transforma a cada dia.
Kommentare